sexta-feira, 19 de agosto de 2016

DANIELA LASALVIA - MADREGAIA


ASSIM SENDO, ME APRESENTO...

Sou uma paulista errante de espírito e alma inebriados pela música.

Estamos no mundo por infinitas razões... Eu cheguei e atravesso fronteiras... Caminho a passos largos e encosto minhas palavras em um tom suave...intenso e vivo Uma força da natureza por assim dizer.
 
Trecho do depoimento do jornalista Mauro Dias:
 

Um dia, há alguns anos, e o tempo não importa muito, como veremos, Dani Lasalvia cantava em praça interiorana para plateia múltipla, gente de todas as idades. Viola e voz, Dani desfiava repertório aprendido aqui e ali, às vezes composto, às vezes recomposto, às vezes como que adivinhado, porque há tanto que se perdeu, tanto de que só restam fiapos, um compasso, um mote.
 Notou na plateia um homem mais velho, de jeito tímido e olhos brilhantes e decidiu dedicar a ele a moda de viola que viria em seguida. Notou as lágrimas nos olhos do velho e, depois da música, foi conversar com ele. Soube que era antigo violeiro, longe da arte porque já ninguém por ela se interessava. O rádio, a televisão, as coisas mudando, e aquela gente achando que seus costumes, sua expressão eram coisa do passado, coisa vencida, sem mais sentido, forma inútil.
 Dani voltou ao palco e desafiou. Os meninos, as meninas, os jovens adultos: vocês estão com vergonha de quem são? E uma chamada aos fatos com o sorriso que nunca lhe sai do rosto: venham cá, venham cantar comigo, venham aprender a moda, ouvir o ponteio, pisar o passo que traduz vocês.
 A roda formada no palco virou roda de chão depois que Dani partiu para outras praças. Naquele lugarejo, hoje, existem rodas de viola e outras rodas formadas por meninos e meninas e jovens adultos e o velho - isso não me foi dito, mas acredito piamente que é assim - voltou a tocar.
 O tempo que Dani recuperou com o cutucão nos brios, a chamada à terra, conta séculos - para trás e para frente, tomara. Não será algo imediatamente mensurável pelos institutos de pesquisa e certamente não influenciará, já agora as ainda tão pobres políticas públicas da cultura oficial.

Não que se possa cobrar de institutos ou políticos, resultados imediatos como os obtidos por Dani. Pois não serão todos dotados da luminosidade dela, do poder de convencimento que vem de firmes convicções definidas ao longo do tempo ( de novo a palavra que importa muito e importa pouco, a depender de como é encarado).
Seja como for, seu arrazoado para explicar as ações chegam-nos em palavras simples, raciocínio límpido: quando se toma a cultura popular, é errado observá-la como fato dado, estratificado, sedimentado, definido e não modificável. Pelo contrário, a tradição está em elaboração constante. Incorpora os novos hábitos (não os descarta), acres ce-se dos dados cotidianos, cresce com as sensibilidades, as individualidades. “Folclore” talvez seja a pior de todas as palavras usadas para definir tal cultura. 



Dá a idéia de algo que acabou, contido em sua forma,
de esboço definido e intocável - algo que deve ser observado à distância, com lupa acadêmica ou mirada quando muito curiosa. Contraponho assim: o rotulado de folclore é estático. Extática é a cultura.Foi o êxtase, a vontade do êxtase, que levou Dani pelos quadrantes da Terra de Vera Cruz. Por mais de dez anos ela andou por aí, à própria custa, ouvindo, aprendendo, conversando com as lavadeiras das Alagoas, com os violeiros do Mato Grosso, com os catireiros do interior paulista, com os jongueiros daqui e dali, os quilombolas, os índios das tribos tais e quais, aprendendo idiomas, incorporando gestos e gostos, entendendo as lendas, reconstruindo-se, ampliando-se, maravilhando-se.


Tudo isso inscreve-se na preocupação simultânea com o ambiente, o planeta, a vida que o planeta cria e desenvolve. Como nada existe a partir do nada, a música de Madregaia é perpassada por sons da Galícia, de Portugal, da África.


MADREGAIA
O material aprendido, apreendido, retrabalhado ou apresentado de forma pura, não seria contível no tempo de um único disco. Madregaia é um álbum duplo, que soma aos registros tomados diretamente nas fontes, as contribuições criativas e respeitosas de Luis Perequê, Renato Braz, Edu Santana, Dércio Marques, Kátia Teixeira, Vozes Bugras, Stênio Mendes, grupos Tarumã e Tarancón, Juh Vieira, Noel Andrade, Cao Alves, Toninho Carrasqueira, Toninho Ferragutti, Zé Elder, Joaõ Bá e Juraíldes da Cruz, Chico Buarque (sim, porque suas valsinhas vêm tão do fundo do País quanto o trenzinho com que Villa-Lobos nos desvenda a alma), Vidal França, Amauri Falabella e outros autores contribuem com seus trabalhos que partem da cultura oral e ajudam a compor o repertório de 26 maravilhas em forma de música. Resta falar da voz de Dani Lasalvia. 

E resta falar do encanto - do estado de eterno encantamento de Dani Lasalvia. E da sonoridade ímpar que cada abordagem imprime ao original (re)tratado. E da alma - eu que não acredito em almas - dessa mulher magnífica. Mas as palavras serão frias, pois não traduzirão a emoção de ouvir Dani, de ouvir Madregaia.

Não, ela não assume esse papel. Seria incompatível com seu olhar carinhoso - nada de modéstia, por favor: apenas a compreensão de ser uma voz, uma pessoa, no conjunto das belezas reveladas. Mas é difícil não achar que, filha da terra, não seja ela um pouco mãe de nós, que tanto com ela aprendemos.
 
Se vc gostou adquiri o original, valorize a obra do artista.
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